segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Marcos Rogério de Castro Frank



    Nasceu no dia 25/11/1967 em Ijuí / RS. Filho de Wilson Frank e Nilda Oliveira Castro, irmão de Márcio e Franciele.
    Estudou até a 3ªsérie do Curso Fundamental, na Escola Estadual São Geraldo, Ijuí, e completou seus estudos, até o segundo grau, no Colégio Evangélico Augusto Pestana(CEAP), também em Ijuí.
    Em 1986 foi aprovado no vestibular de medicina na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e em 1991 classifica-se em primeiro lugar para a residência médica  em neurocirurgia no Hospital Cristo Redentor.Em 1996 muda-se para Lajeado/RS,onde passa a exercer a atividade de médico.
    Iniciou sua carreira literária ainda na escola, participando de concurso de redações. Na universidade foi premiado em vários concursos literários. Seu primeiro livro, uma coletânea de poesias, contos e crônicas foi lançado em 1990. O segundo livro, ”Sempre aos Sábados” foi lançado em 2006.
    Desde 1997 faz parte dos colaboradores do Jornal O Informativo do Vale, como cronista, mantendo sua coluna, semanalmente, na página dois da edição dos sábados.
    É casado com Lucinéia Brandão e pai de João Guilherme (12/04/1989) e Cecília (22/11/2007).
    Em 2008 foi eleito presidente da Academia Literária do Vale do Taquari (ALIVAT). 


OBRAS 


O ÚLTIMO ENCONTRO (Conto)
  
       Montado em seu cavalo,Miguel observa a vasta extensão da pampa prolongando-se até o ponto que seus olhos perdem o foco. Sentia-se bem com o vento batendo e desalinhando seus cabelos. Seu rosto mantinha o eterno ar desiludido de quem conhece por demais as armadilhas do mundo.
       Os peões das fazendas por onde passava não o entendiam bem. Andar montado em um animal sempre de um lado para o outro,sem paradeiro certo, vá lá. Mas dizer que o mundo é redondo feito uma bola e solitário que nem uma vaca no campo já era demais. Isso já era zombar do conhecimento da gente simples. Ele ainda dizia mais. Afirmava com convicção que os donos das terras o eram por esperteza e não por vontade de Deus. Os comentários porém não afetavam Miguel,ele sabia o preço a pagar por suas idéias.
         Naquela noite armou acampamento embaixo de um umbu sexagenário. Dormiu ao ar livre olhando as estrelas como sempre fazia. Não muito longe dali uma coruja parecia incomodada com algo. Acordou sobressaltado no meio da noite pensando ter ouvido vozes. Com dificuldade percebeu dois vultos na escuridão discutindo calorosamente.
         -Putz, pensou,isso não se parece nada com um pesadelo.
         Com esforço distinguiu a figura alta de Bento Gonçalves e o perfil barbudo do Duque de Caxias fazendo o balanço da revolução farroupilha. Imediatamente ele lembrou da antiga lenda sobre o encontro dos dois fantasmas na primeira noite de lua cheia para discutirem sobre suas lutas e seus ideais.
          -Mas então é verdade--concluiu Miguel com indisfarçável assombro.
          Ao fundo ouvia-se a voz de Bento.
          -Libertamos os escravos e vocês continuam fazendo a todos de escravos.
         -Ora meu caro,bem sabes que é impossível uma sociedade sem vencedores e derrotados-retorquiu o duque. Passaram-se tantos anos desde que nossos corpos viraram pó e continuas um sonhador. Sorte tua não ganhar a guerra e ter que governar o novo país que então se formaria. Aí sim teria que lidar com a realidade de quem chefia e não com os sonhos que iniciam uma revolução.
         -E tem mais,continuou Caxias, após uma pausa para pensar. Seus escravos libertos serviram muito mais como uma maneira de cobrir vossa luta de ideais. O que querias era atrair para o teu lado a força dos explorados e o apoio dos liberais abolicionistas. Queria ver a cara que eles fariam quando,cansado dos ideais democráticos e louco para botar tuas idéias em prática,te tornarias no ditador que sempre sonhou ser.
         Sobre corpos destroçados e ensangüentados repousa a glória da guerra-disse Miguel juntando-se aos dois homens e oferecendo a Bento Gonçalves um gole de cachaça. Este tomou um gole comprido e cuspiu as últimas gotas fora.
         -Pro santo,explicou,para logo depois emendar com uma voz de desilusão- Degolamos e roubamos com fúria,amamos nossas mulheres amando no fundo a nós mesmos. Empobrecemos os velhos,deixamos órfãs as crianças e enlouquecemos os lúcidos para depois,entre sorrisos e apertos de mão,selarmos uma falsa paz e propagandearmos nossas qualidades.
         Caxias a tudo ouvia em silêncio. Com uma expressão de desencanto,parecia concordar com as idéias do antigo rival. No fundo eles sabiam que deviam a fama que tinham entre os vivos,um ao outro.
         -O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é.Disse Miguel com  lucidez que surpreendeu os dois homens. Com os primeiros raios do sol,as imagens de Bento e Caxias foram se dissolvendo lentamente e sendo substituídas pelo vapor que fugia pelo bico da chaleira. A conversa entre os dois continuaria na próxima lua cheia. Miguel sabia que nunca mais participaria dela,mas sentia-se estranhamente feliz,sorvendo o primeiro amargo do dia.
         Finalmente ele tinha certeza que sua luta-a libertação do indivíduo-não interessava a nenhum dos lados que fazem as guerras. Até que enfim ele podia descansar em paz e fundir-se com a terra que tanto amara e defendera. Longe dos dois homens ele pensou mais uma vez na frase que dissera um dia,com o peito cheio de orgulho e que acabou por provocar sua despedida do mundo dos vivos:
         -Essa terra tem dono.  



VAMOS A LA PLAYA-ANO 4

                “O brasileiro é o único ser humano que acredita que pode se aperfeiçoar.” Millôr Fernandes (1924--)

   O gaúcho, esse centauro dos pampas, é um ser obstinado. Mesmo vivendo numa terra inóspita, quase nos limites do mundo civilizado e sujeita a temperaturas extremas ele insiste em demonstrar em seu amor a terra natal. Tal se dá nos primeiros meses do ano,quando o bom senso indicaria uma migração para o estado imediatamente mais ao norte,mas ele insiste em se banhar nas águas da terra natal.
   Quando chega dezembro, nossos conterrâneos iniciam o planejamento de sua mudança rumo as bordas arenosas do Atlântico. Mesmo com o aumento extorsivo do IPTU e com os preços absurdos do IPVA, sempre  poupa-se  alguma sobra para o tal veraneio.
   O incrível fenômeno se repete ano após ano, apenas mudando a data em função de eventuais greves do magistério estadual ou das universidades federais. O meticuloso planejamento também leva em conta a chegada, ou não, de uma horda de bárbaros meridionais conhecidos genericamente como “hermanos”. Parece que sua presença maciça tem o poder de inflacionar o mercado local. Finalmente ainda há a presença de um vento alísio, temível e imprevisível, conhecido dos locais como “nordestão”. Sua presença por si só pode transformar agradáveis férias em pequenas tragédias.
   Tal epopéia migratória que só tem paralelo com a inacreditável marcha dos pingüins, parece ser generalizada e atinge até mesmo os mais distantes rincões do Rio Grande do Sul.
   Passada a fase de planejamento inicia o frenesi. Enquanto os pais de família revisam a condução familiar, as mães acumulam víveres e suprimentos para a longa jornada. Ainda são desconhecidos os motivos, mas apesar de haver modernos supermercados a beira- mar, nossos migrantes insistem em adquirir seus mantimentos na cidade natal. Nesse período, talvez devido ao rescaldo natalino, aumenta o espírito gregário desse bravo povo sulista de modo que tios, primos, avós e toda sorte de parentes são arrastados juntos para veranear.
   Concluídos os preparativos, começa a longa jornada por estradas esburacadas, pedágios reajustados e pardais traiçoeiros. Chegando ao destino enfrentarão cidades despreparadas, mercadores inescrupulosos e milhares de adolescentes dando vazão à seus hormônios.Nada porém será capaz de abater o animo destes bravos.
   Enfim instalados e claro, precavidos contra os amigos do alheio, resta apenas relaxar e encontrar um pedaço de areia livre dos totós e dos jogadores de frescobol. Besunta-se então o corpo com um liquido branco vendido a preço de ouro, abre-se uma cerveja e conclui-se que tudo valeu a pena.
   É por isso que nenhum outro povo desse planeta ama tanto suas praias como o gaúcho.
  


  COMO GANHAR DINHEIRO

    “Quando se fala sobre bancos e assaltos,pergunte logo:de fora pra dentro ou de dentro pra fora?” Millôr Fernandes(1924) 
     Não há nenhuma dúvida, após a divulgação dos últimos balanços, de quem realmente sabe ganhar dinheiro no Brasil. Bradesco, Itaú, Unibanco e até o Banco Do Brasil tiveram lucros recordes. Esquecidas aquelas bobagens antigas do tempo de oposição e de bravatas, dá para perceber que Lula sabe conviver democraticamente com bancos, grandes empresas de teledifusão (leia-se Rede Globo) e de telecomunicação. Aprendeu até a tolerar o lucro,tanto que seu filho, um gênio dos negócios como o pai,saiu-se muito bem ao lidar com a Telemar.
     Eu, que sempre fui a favor da liberdade econômica, do lucro e da iniciativa privada, resolvi entender como essas magníficas empresas conseguem lucros extraordinários enquanto nós meros mortais,só sabemos é reclamar. Após estudar longamente as técnicas que essas empresas usam para obter balanços tão robustos, finalmente entendi e resolvi mudar o meu modo de trabalhar. Hoje percebo de forma clara porque eles sabem ganhar dinheiro e eu não. Creio que com as mudanças que enumerarei abaixo, copiado das grandes corporações, finalmente passará a chover na minha horta.
     A partir de agora,todo mês meus clientes passarão a pagar uma taxa pela existência do consultório. Entendam bem, essa taxa não dá direito a nenhum serviço extra, apenas serve para manutenção do consultório aberto em horário comercial. Utilizar o consultório durante o mês corrente gera uma cobrança extra, a taxa de utilização do consultório. Todos os clientes, sem exceção devem realizar o pagamento da primeira enquanto que a segunda será devida somente por todos aqueles que efetivamente o utilizarem.É uma questão de justiça.
     As dúvidas sobre medicações, tratamentos, doenças  e mesmo resultado e comentários sobre exames serão atendidas através de um número de contato 0300.Funcionará 24 horas e custará apenas uma módica quantia por minuto mais impostos. Haverá um leve acréscimo em feriados,sábados,domingos e após as 18 horas. Não vejo a hora de receber a primeira ligação.
     Laudos e atestados serão cobrados por unidade, será a taxa de emissão de laudo ou atestado, de maneira análoga ao pagamento bancário de extrato de conta corrente. Meus clientes poderão optar, no entanto, por um pacote de serviços. Ele custa o triplo mas dá direito a dois atestados ou laudos por mês,uma ligação semanal para o 0300 de dois minutos e substitui a taxa de existência ,de manutenção e de utilização do consultório. Claro que a segunda opção sai muito mais em conta.
     Continuaremos aceitando cheques pré-datados para pagamento. Mas eles estarão sujeitos a uma taxa de abertura de crediário (parece-me desnecessário informar que se trata de uma operação de crédito) e uma taxa de confecção de cadastro. Obviamente tais cobranças se repetirão a cada novo cheque pré-datado emitido. Aceitamos também cartões de crédito de todos os tipos, mas seremos obrigados a repassar aos queridos clientes os valores cobrados por cada operadora bem como os impostos.
     Como todos sabem cada paciente, digo cliente, possui um prontuário médico. Os novos clientes precisarão pagar uma taxa de abertura de prontuário que será cobrada apenas uma vez. Por sua vez a taxa de manutenção de prontuário será cobrada mensalmente.
     Sabedores que a escolha do médico é uma opção do cliente (brilhante essa),manteremos um serviço de reclamações. Ele foi terceirizado com uma empresa de call-center (chique não é mesmo) de Goiânia e o número é o mesmo do 0300.Nosso cliente pode desabafar e falar o quanto quiser. A propósito,a tarifação será por minuto também.
      Pacientes que necessitarem internação não precisam se preocupar. Eles necessitam pagar apenas uma taxa de deslocamento, diária é claro, apresentar-se ao hospital às 8 horas da manhã e aguardar até 72 horas pelo comparecimento do médico. Não estar no quarto na hora da visita gera uma nova taxa de deslocamento.(Essa eu aprendi com as seguradoras) Eta povinho esperto e bom de negócio que nem os bancos e as companhias de telefonia.
     Claro que recebi conselhos de não seguir em frente, gente dizendo que a cultura arraigada de nosso povo não iria aceitar de bom grado novos procedimentos. No fundo é tudo gente sem imaginação, ciumenta e invejosa. Se nosso povo aceita tão pacificamente a cobrança de tantas taxas e impostos, compreensivo que é, porque iria começar a espernear justo agora?



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